Aumento Significativo de Ações Judiciais sobre Aborto no País
O número de casos de aborto na Justiça brasileira acelerou em 2024. No primeiro trimestre, foram registrados cerca de dois novos processos por dia – num total de 190. Esse número é superior à média registrada nos quatro anos anteriores, segundo os dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). De 2020 a 2023, foram levados ao Judiciário 165 novos casos a cada três meses, para uma média anual de 658 processos.
Até março, o país acumulava 1.275 ações de aborto pendentes de julgamento. Não há uma explicação concreta sobre o que pode ter causado o aumento no registro de novos processos. Para a advogada criminalista Cecilia Mello, ex-desembargadora do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), uma das possíveis justificativas é o avanço da perseguição em relação ao crime da interrupção voluntária da gravidez, mas, também, pode ter a ver com o aumento populacional.
“Não dá para afirmar que a entrada de novos casos significa o aumento de abortos necessariamente. O que dá para vislumbrar é apenas o crescimento dos processos”, diz a professora.
Ainda segundo o CNJ, entre 2020 e 2024, foram julgados e “baixados” 2.934 processos sobre o tema. Os processos baixados são aqueles que foram encerrados em pelo menos uma instância. Mello diz que o andamento das ações acontece em um ritmo “satisfatório”, uma vez que a Justiça tem “julgado em número superior àquilo que entra”.
O crime de aborto é classificados pela Justiça brasileira em três categorias: aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento; aborto provocado por terceiro; e aborto qualificado.
Na análise de Mello, um ponto de destaque é a quantidade de processos categorizados como “aborto qualificado”. A categoria acarreta no aumento de pena que se aplica ao terceiro que provoca o aborto com ou sem o consentimento da gestante. Nesta situação, muitas vezes a mulher sofre lesões graves ou chega a morrer.
Entre os processos que ainda tramitam na Justiça, 84 das 1.275 ações se referem a essa tipificação. O maior número da série desse período de quatro anos aconteceu em 2020, quando 100 de 1.430 casos foram classificados como aborto qualificado.
Em setembo de 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou o julgamento a respeito da descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação. A ADPF 442 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) foi pautada pela então presidente da Corte, ex-ministra Rosa Weber, que votou a favor da descriminalização, antes de se aposentar.
Na época, um pedido de destaque apresentado pelo ministro Luís Roberto Barroso jogou a ação para o plenário físico, em data não definida. Com esse adiamento, a ação agora aguarda ser pautada por Barroso, que é o novo presidente do STF.
Entenda a ADPF
A ADPF pede ao STF que analise a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal. O artigo 124 prevê pena de detenção de 1 a 3 anos para quem “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”, e o artigo 126 estipula reclusão de 1 a 4 anos para quem “provocar aborto com o consentimento da gestante”.
O argumento é de que a lei atual leva mulheres e meninas a procurar métodos inseguros para interromper a gravidez, correndo risco de vida. De 2008 a 2017, foram 2,1 milhões de internações no país para tratar complicações de abortos, gerando um gasto de R$ 486 milhões para o SUS. De 2000 a 2016, ao menos 4.455 pacientes morreram.
A AGU (Advocacia-Geral da União) defende que o tema não deveria ser tratado no Supremo, mas sim no Congresso, sob pena de “grave dano ao Estado brasileiro e aos seus cidadãos, que têm debatido amplamente a questão por meio de seus representantes no Parlamento”.
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