100 dias de Casagrande
Após uma eleição classificada como “a mais difícil de sua vida”, o governador Renato Casagrande (PSB) completa, nesta segunda-feira (10), 100 dias do seu terceiro mandato à frente do Palácio Anchieta.
Com a missão de unir o Estado que, como todo o País, saiu dividido e polarizado das eleições de outubro, Casagrande também precisa fazer desta gestão – a última como governador, pelo menos por enquanto – a melhor das três, em termos de entregas. Até para conseguir fazer seu sucessor em 2026 e levar adiante seu projeto e também seu legado.
Os 100 primeiros dias de gestão testaram a habilidade de negociação do governador que, por várias vezes, teve de atuar como “bombeiro”, ajudando a apagar incêndios em Brasília e no Estado. O período também foi marcado por um ritmo frenético de viagens com entregas pelo interior e de “romarias” a Brasília, em busca de recursos e respostas para demandas urgentes do Estado.
Porém, embora tenha prometido “um novo governo” durante a campanha, poucas mudanças foram vistas com relação ao mandato anterior. Diferentemente do governo federal, cujo resultado da eleição trouxe uma ruptura e um projeto totalmente oposto ao que estava vigente, a gestão Casagrande é de continuidade.
A começar pela maior parte do secretariado que permaneceu na gestão. Das 26 secretarias (somando a PGE e a chefia de gabinete), apenas nove tiveram mudança no comando (34,6%) e, dessas nove, seis são de cotas partidárias, ou seja, indicadas por partidos que formaram a ampla aliança em apoio à reeleição de Casagrande.
Aliás, a formação do secretariado de Casagrande contemplou as diversas matizes ideológicas que subiram em seu palanque durante a campanha. PP, Podemos, União e PSDB, que estão mais alinhados do centro para a direita, ficaram com cinco pastas: de Desenvolvimento Urbano, Segurança, Governo, Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente.
Já o PSB (partido do governador), PT e PDT, que vão do centro à esquerda, herdaram quatro secretarias: de Tecnologia, Turismo, Mulheres e Esporte. A Secretaria da Justiça é comandada por André Garcia que, no ato da nomeação estava filiado ao MDB, mas, segundo ele, sua ida para o governo não foi indicação partidária. Outros partidos ocupam o segundo escalão, como PV, Rede e PCdoB.
A gestão de Casagrande, nesses 100 dias, também refletiu as diferentes visões políticas do time que montou. São ações mais liberais na economia, como por exemplo, a privatização da ES Gás, o que atende aos secretários e eleitores de direita.
E contou também com ações mais progressistas em outras áreas, que agradam a esquerda, como o anúncio de um pacote robusto de investimentos no Meio Ambiente e o aumento de 70% no orçamento de proteção social para este ano.
RITMO ACELERADO
Mas se boa parte da equipe é a mesma e tem dado continuidade ao que já estava sendo desenvolvido no mandato passado, não se pode dizer o mesmo do ritmo de trabalho e de entregas (milionárias), que se destacam nesse início de governo.
Uma pesquisa na agenda pública do governador mostra que ele esteve em pelo menos 30 municípios do Estado nesses 100 dias. Em alguns até por mais de uma vez, como em Mimoso do Sul, quando esteve em 25 de janeiro para ver de perto os estragos causados pelas chuvas e ao retornar, dois meses depois, para assinar ordem de serviço para pavimentação e drenagem de ruas e praças.
Teve dias que o governador maratonou em dois municípios para fazer entregas, como no último dia 1º, um sábado, quando esteve em Ecoporanga – para inaugurar uma escola e dar ordem de serviço para pavimentação e drenagem de ruas – e, mais tarde, marcou presença em Água Doce do Norte, onde entregou um campo de futebol e visitou as obras da rodovia ES-080. Um ritmo intenso, muito parecido com o de campanhas.
ROMARIA A BRASÍLIA
Mas as incursões de Casagrande não foram apenas para o interior do Estado. Nesse pouco mais de três meses foram pelo menos cinco viagens a Brasília, seja por convocação do presidente da República – como no caso dos ataques às sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro – ou em busca de soluções para demandas antigas e importantes do Estado.
Foram duas reuniões com o presidente Lula (PT) e com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), além de encontros com diversos ministros – que também resultaram na vinda de alguns deles ao Estado: Márcio França (Portos e Aeroportos), Waldez Góes (Integração) e Renan Filho (Transporte). Além do ministro do STF Luís Roberto Barroso e do presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP), que também estiveram por aqui.
Essa abertura maior no diálogo entre a Presidência e o Espírito Santo, que pode facilitar na negociação de pautas caras ao Estado, é fruto da mudança do governo federal, muito mais receptivo aos governadores, mas também da proximidade ideológica e partidária de Casagrande com o Planalto. O governador é secretário-geral do PSB, legenda do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin.
O fato da bancada federal capixaba ser majoritariamente bolsonarista – dos 13 parlamentares, nove declararam voto em Bolsonaro no segundo turno – também exige do governador, e de seus secretários, uma presença mais constante em Brasília, até para o Estado não sofrer por eventuais represálias a discursos e votações no Congresso.
Alguns prefeitos, por exemplo, em conversa reservada com a coluna, já disseram que estão sentindo falta da ex-senadora Rose de Freitas (MDB) no Senado, que tinha como bandeira a pauta municipalista e evitava debates ideológicos, independente de qual fosse o governo. A demanda dos prefeitos, se não for absorvida pela bancada, vai também para as costas do governo do Estado.
APAGANDO INCÊNDIOS
A união dos governadores contra os atos de 8 de janeiro ajudaram a conter a sanha golpista que se levantava no início do mandato do presidente Lula. Casagrande se manifestou de forma incisiva contra o levante e colocou 25 policiais militares à disposição para atuarem na segurança do Distrito Federal.
No Estado foi criado um gabinete de gestão de crise, com representantes de diversas secretarias e coordenação do secretário de Segurança Pública, coronel Alexandre Ramalho, para monitorar eventuais ataques às instituições em solo capixaba – que não ocorreram.
Mas, se por um lado, esse incêndio de proporções nacionais foi controlado, por outro, começaram a surgir pequenos focos, no Estado, que testaram a capacidade de Casagrande de iniciar seu terceiro mandato com governabilidade.
No final de janeiro, o governador se envolveu, publicamente, na disputa pelo comando da Assembleia Legislativa ao escolher um candidato da base aliada (deputado Marcelo Santos) em detrimento de outro candidato aliado (deputado Vandinho Leite) para dar seu apoio à presidência. Algo inédito nos últimos mandatos.
A mão forte do Palácio Anchieta numa questão interna da Ales foi criticada e gerou um desgaste tão grande, principalmente com aliados, que foi necessária uma força-tarefa – com deputados da cúpula do governo, Casa Civil, governador e até o vice-governador, Ricardo Ferraço – para se chegar a um consenso e a uma chapa única para a eleição da Mesa Diretora, que terminou abrindo espaço para o grupo de Vandinho.
Mas o descontentamento da base aliada não parou por aí. Na primeira votação importante de projetos do Palácio Anchieta, o governo do Estado sofreu sua primeira derrota e imposta por um aliado – o deputado Fabrício Gandini, que protocolou uma emenda, contrária ao governo, no projeto do bolsa-estudante.
Mais uma vez o governo teve de entrar em cena e, dessa vez, cedeu, acatando a emenda, numa clara sinalização de tentar se reaproximar de Gandini, que chegou a dizer que deixaria a base aliada. Para também fazer as pazes com Vandinho, o governo agiu, movendo os pauzinhos nos bastidores, para que a CPI do deputado na Ales fosse contemplada.
Embora tenha iniciado o ano legislativo com uma derrota, o governo conseguiu alinhar a base aliada e, recentemente, conseguiu aprovar um pacote de nove projetos – alguns polêmicos, com aumento de gasto público – contando até com os votos da oposição que, nessa legislatura, está mais estridente.
Mas foi na relação com o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini (Republicanos), que a vocação de bombeiro de Casagrande despontou. Após dois anos de embates, desencontros e até denúncias na Justiça, o governador e o prefeito estão se reaproximando.
Partiu do governador o convite para Pazolini acompanhar a entrada do Estado na força-tarefa de segurança coordenada pela Polícia Federal. A assinatura do convênio ocorreu no Palácio Anchieta e Pazolini compareceu. Como também esteve presente no teste da embarcação do novo aquaviário.
DESAFIO NA SEGURANÇA
Nesses 100 dias, o governador anunciou o repasse de recursos a municípios, aumento da oferta de consultas especializadas, reformas e construção de escolas, além de obras de drenagem, macrodrenagem e de infraestrutura.
Mas foi da Segurança Pública que vieram os anúncios mais notáveis. Entre eles, estão: a implantação de um novo sistema de identificação civil e criminal na Polícia Civil, com investimento de R$ 10 milhões para aquisição de um software para pesquisa de digitais e faces; mais de R$ 100 milhões em armas, equipamentos e viaturas para a PM; a regulamentação do uso de câmeras corporais por agentes do sistema prisional; a entrada das forças de segurança estaduais na força-tarefa da PF; inauguração do prédio do BME e a reforma e ampliação do Ciodes.
Ainda assim, a segurança pública continua sendo um desafio. No primeiro trimestre deste ano, o Estado registrou 280 homicídios, um aumento de 11,6% se comparado ao mesmo período do ano passado, quando foram registrados 251 crimes.
Só em março foram registrados 99 assassinatos, o que dá uma média superior a três por dia. As regiões Noroeste e Sul puxaram esse índice pra cima, registrando um aumento no número de homicídios de 88,5% e 70,6%, respectivamente. Uma das promessas de campanha do governador foi o de entregar o Espírito Santo, em 2026, como um dos cinco estados mais seguros do País.
E FALANDO EM PROMESSAS…
Algumas promessas feitas pelo governador durante a campanha e mirando 2023, já foram cumpridas, como: a criação da Secretaria das Mulheres, a reestruturação da pasta e de autarquias ligadas ao Meio Ambiente, a adequação da aposentadoria e promoção de militares, a implantação do projeto Escola do Futuro e o reajuste salarial para os servidores públicos, que estão entre as que mais se destacam.
Já outras promessas, também projetadas para esse ano, ainda aguardam, como as entregas do aquaviário e do Complexo Viário de Carapina (diversas vezes adiadas); o pagamento do piso da Enfermagem, prometido no segundo turno da campanha; a entrega da reforma do teatro Carlos Gomes e a ampliação do programa Bolsa Capixaba, entre outras.
O marco de 100 dias aponta o rumo que o governo vai seguir e o ritmo que vai imprimir no mandato. E nesse período, o governo do Estado conseguiu percorrer um caminho de equilíbrio e de certa tranquilidade, sem grandes percalços, mas também sem nenhum grande desafio surgido no trajeto.
Faltou aquela ação ousada para marcar o início do terceiro mandato prometido como novidade? Faltou! Porém, a jornada está só começando. A proximidade das eleições municipais, por exemplo, deve exigir ainda mais jogo de cintura de Casagrande, devido à quantidade de aliados na disputa, o que pode colocar sua governabilidade em risco. Mas hoje, na balança, pesando erros e acertos, o saldo dos primeiros 100 dias de Casagrande é positivo.
Fonte: Folha Vitória.
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