A Dignidade Não Se Aposenta: A Batalha Pela Manutenção do Plano de Saúde e a Vitória no TST
Por João Dallapiccola
Ao longo de quarenta anos de advocacia, dedicados quase que inteiramente à trincheira dos direitos sociais, vi o direito do trabalho e o direito previdenciário se transformarem. Vi leis nascerem, outras serem rasgadas e, em meio a tudo isso, testemunhei a luta diária de trabalhadores por algo que deveria ser inegociável: a dignidade. E poucas situações expõem a fragilidade dessa dignidade de forma tão cruel quanto o momento em que a doença bate à porta de um empregado.
Lembro-me vividamente de inúmeros casos que patrocinei. Clientes que, após anos de dedicação a uma empresa, sofriam um acidente de trabalho ou eram acometidos por uma doença que os incapacitava.
Eram pessoas que não apenas perdiam sua capacidade de trabalhar, mas que, no exato momento em que mais precisavam de amparo, recebiam a notícia de que seu plano de saúde seria cancelado. Era uma espécie de segunda doença, uma punição por estarem doentes.
A angústia de um pai de família, preocupado com o tratamento de um filho, ou de uma trabalhadora em meio a uma quimioterapia, ao se verem desamparados, é algo que a frieza de um processo judicial jamais conseguirá descrever por completo. Era a discriminação em sua forma mais perversa: o abandono no auge da vulnerabilidade.
Essa prática, infelizmente comum por parte de muitos empregadores, sempre se baseou em uma interpretação mesquinha da lei. Argumentava-se que, com a suspensão do contrato de trabalho pelo afastamento, as obrigações contratuais, incluindo o plano de saúde, também estariam suspensas. Para nós, que militamos na área, essa lógica sempre foi um absurdo. O plano de saúde não é um mero “bônus” ou um benefício qualquer; ele é parte integrante do contrato de trabalho, uma forma de salário indireto e, mais importante, um instrumento de proteção à saúde e à vida, direitos fundamentais garantidos pela nossa Constituição. Como poderia o benefício ser retirado justamente quando sua finalidade se torna mais premente?
Foi por isso que a pacificação do tema pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio da Súmula nº 440, representou não apenas uma vitória jurídica, mas um marco civilizatório. A mais alta corte trabalhista do país consolidou o entendimento de que é direito do empregado ter seu plano de saúde mantido durante o afastamento por auxílio-doença acidentário ou aposentadoria por invalidez.
A decisão do TST é um bálsamo de justiça. Ela reconhece que o contrato de trabalho, embora suspenso, ainda produz efeitos, especialmente aqueles que visam proteger a dignidade do trabalhador. O vínculo não se desfaz, e a responsabilidade social da empresa permanece. Garantir o plano de saúde nesses momentos críticos é o mínimo que se espera de uma relação que, em sua essência, deveria ser pautada pela boa-fé e pelo respeito mútuo.
Para o trabalhador, essa tese significa segurança. Significa poder focar em sua recuperação, sem o fantasma do desamparo médico assombrando sua família. Para as empresas, é um chamado à responsabilidade, um lembrete de que o lucro não pode, e não deve, se sobrepor à vida.
E para nós, advogados que dedicamos a carreira a essa causa, é a confirmação de que a luta vale a pena. É a prova de que, mesmo que demore, o direito pode, sim, servir como um escudo para os mais vulneráveis.
Depois de quatro décadas, vitórias como esta renovam minha convicção de que a advocacia trabalhista é mais do que uma profissão; é um compromisso com a justiça social. A dignidade de um trabalhador não se suspende e, definitivamente, não se aposenta. E agora, graças ao TST, o direito à saúde também não.
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Advogado há 39 anos, especializado em direitos sociais e graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), é pai orgulhoso e avô realizado, com uma trajetória marcada pelo compromisso com a justiça e a ética profissional.



