Direito do Consumidor – Viagens AÉREAS – A Concentração de Ações Contra Companhias Aéreas é Eficiente?

Por João Dallapiccola
A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) revelou em uma pesquisa que cerca de 98,5% das ações contra companhias aéreas no mundo são ajuizadas no Brasil.
Esse indicador pode ser lido de duas formas complementares. Por um lado, mostra um sistema judicial acessível e sensível às demandas do consumidor, e por outro, aponta para uma tendência de judicialização que, em muitos casos, poderia ser resolvida por vias administrativas ou por acordo extrajudicial.
As causas das demandas são recorrentes, tais como cancelamento de voo, atrasos prolongados, overbooking, extravio de bagagem e, em casos mais raros, acidentes aéreos.
Estatisticamente, registra-se no Brasil uma ação a cada 0,52 voos, ao passo que, por exemplo, empresas norte-americanas reportam cerca de um processo a cada 2.585 viagens (dados apontados por Bernardi & Schnapp). Falta, porém, informação pública sobre quantas dessas ações são julgadas procedentes, o que limita conclusões sobre a qualidade das decisões judiciais ou sobre eventual exagero dos pedidos.
Do ponto de vista do passageiro, a intervenção judicial muitas vezes se mostra legítima: perder uma mala em viagem internacional, perder conexão por falha logística ou ficar 15 horas retido por erro operacional são fatos que ultrapassam o “mero aborrecimento” e justificam pedido de reparação por danos materiais e morais.
Por outro lado, é preciso combater o uso excessivo da via judicial para pleitear indenização por ocorrências trivialmente justificadas, como por exemplo, em atrasos curtos motivados por condições meteorológicas extremas, quando não há prova de dano concreto.
Portanto, as companhias aéreas não devem focar apenas em rebater demandas nos tribunais: o caminho mais eficaz pode ser a prevenção.
Aperfeiçoar processos internos, como manutenção e controles técnicos, gestão de overbooking, logística de bagagens e comunicação transparente com passageiros certamente tem o potencial de reduzir a recorrência de falhas e, consequentemente, o número de ações.
Não por acaso, a pressão judicial e administrativa tem levado empresas a investir em governança operacional: apesar da elevada litigiosidade, as que atuam no Brasil figuraram entre as mais pontuais do mundo em 2024, como é o caso da LATAM, por exemplo, que ocupou a quarta posição, e a Azul a sexta, com índices de pontualidade maiores que 80%, segundo a Cirium, empresa de análise de aviação.
Por fim, não se pode subestimar o caráter pedagógico das indenizações por dano moral: além de reparar o prejuízo individual, a condenação tem efeito educativo, gerando custos que incentivam mudanças de comportamento corporativo.
Em equilíbrio com políticas de resolução extrajudicial e regulação eficiente, esse duplo movimento, tutela judicial efetiva e aprimoramento operacional, tende a beneficiar tanto passageiros quanto o próprio setor aéreo, reduzindo litígios ao concentrar no Judiciário apenas o que realmente exige reparação judicial.
Artigo escrito pelo advogado João Batista Dallapiccola Sampaio que já foi chefe do Jurídico do Procon/ES por três anos, em parceria com o advogado especializado em Direito do Consumidor Lucas Oliveira Silva.

Advogado há 39 anos, especializado em direitos sociais e graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), é pai orgulhoso e avô realizado, com uma trajetória marcada pelo compromisso com a justiça e a ética profissional.