Entre o Brincar e a Autonomia: os Desafios da Transição na Adolescência Atípica

Por Cristiane Borges
Entre o Brincar e a Autonomia: os Desafios da Transição na Adolescência Atípica
A adolescência é uma fase marcada por intensas transformações biológicas, psicológicas e sociais. É o momento em que surgem novas demandas: busca de identidade, maior necessidade de autonomia e reposicionamento nas relações familiares e sociais.
Adolescência e autonomia: um novo desafio
O que funcionava bem na infância pode não ser suficiente diante das exigências da adolescência. Para mães e pais de crianças neurodivergentes, esse cenário pode gerar ansiedade: como preservar o espaço seguro de expressão — muitas vezes representado pelo brincar — e, ao mesmo tempo, preparar o filho para uma vida mais autônoma?
Quando as experiências se encontram
Em um grupo de mães de crianças atípicas, que se reúnem uma vez ao mês para compartilhar experiências e dividir angústias, surgiu uma preocupação comum: o medo de que as mudanças próprias do crescimento possam desestabilizar ambientes que antes foram cuidadosamente preparados para a adaptação e o bem-estar dos filhos.
Essa apreensão é legítima. A transição da infância para a adolescência já representa, por si só, um período de grandes transformações. Quando falamos de crianças e adolescentes neurodivergentes, esse percurso ganha contornos ainda mais complexos e desafiadores.
Brincar ou crescer?
O brincar ocupa papel central na infância, favorecendo o aprendizado, a comunicação e os vínculos afetivos. Para muitos adolescentes atípicos, ele permanece sendo um território de segurança e organização emocional.
É nesse ponto que surge a tensão: o querer brincar e o precisar crescer. Enquanto a sociedade cobra uma “postura adulta”, a criança neurodivergente muitas vezes encontra no universo lúdico a forma mais eficaz de se expressar e se autorregular.
O papel da família
Diante desse cenário, o papel da família vai muito além de estimular a autonomia. É preciso encontrar equilíbrio: respeitar o tempo do filho, sem abrir mão de introduzir, pouco a pouco, novas responsabilidades.
Essa transição não acontece de forma abrupta. Ela exige paciência, acolhimento e apoio contínuo.
Vivências que nos inspiram
Durante o encontro do grupo, uma mãe compartilhou uma experiência que impactou a todos. Ela relatou que precisou mudar o filho de escola e que seu maior receio era deixá-lo em um ambiente completamente novo, já que ele havia construído vínculos, apoio e uma rotina de adaptação na instituição anterior.
Apesar da insegurança, ela decidiu seguir adiante, acreditando que a autonomia também se constrói a partir de novos desafios. No início, a mudança trouxe muita angústia e medo, mas pouco a pouco a adaptação foi acontecendo. Para surpresa dela, o filho apresentou um crescimento impressionante, revelando um nível de autonomia que antes parecia distante.
Esse relato ressoou entre outras mães que estavam vivendo situações semelhantes. Inspiradas, elas refletiram sobre a importância de incentivar a autonomia mesmo diante das incertezas — entendendo que o “crescer” vai além da zona de conforto e pode abrir caminhos antes inimagináveis.
Identidade, pertencimento e estigma
Outro ponto sensível que se intensifica na adolescência diz respeito à identidade, à sexualidade e ao pertencimento. Para adolescentes neurodivergentes, essas questões podem vir acompanhadas de barreiras comunicacionais, rigidez comportamental e estigma social.
O medo das mães, portanto, encontra fundamento: não é apenas o ambiente físico que precisa ser adaptado, mas também o ambiente relacional e social.
O apoio das políticas públicas
As políticas públicas de saúde e educação, como a Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (Brasil, 2015), reforçam a importância de redes de apoio que integrem família, escola e serviços de saúde.
Esse diálogo intersetorial é essencial para que as mudanças da adolescência sejam acompanhadas por uma rede sólida, capaz de reduzir vulnerabilidades e potencializar a autonomia.
Entre o brincar e a autonomia
No fim das contas, entre o brincar e a autonomia, o que está em jogo não é apenas a adaptação do adolescente atípico, mas também a capacidade da família e da sociedade de flexibilizar expectativas.
Quando o percurso é vivido de forma respeitosa e inclusiva, as transformações deixam de ser vistas como ameaça. Elas se tornam oportunidade de crescimento — tanto para o adolescente quanto para quem caminha ao lado dele.
Preparar o ambiente, afinal, não significa apenas organizar espaços físicos.
Significa cultivar relações que acolham, compreendam e incentivem. Assim, mesmo diante das inevitáveis mudanças do crescimento, é possível enxergar a adolescência como um caminho fértil, possível, singular e cheio de significados.

Gestora pública, ex-secretária de Assistência Social e de Saúde em São Mateus. Líder cristã há 14 anos, palestrante de casais, estudante de Psicologia e pesquisadora em saúde mental. Atua com psicoterapia social no CAPS.